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Na rodoviária

O ônibus parte às 18h16. A hora é precisamente marcada. Diferentemente da morte, incerta e a única certeza da vida, a separação dos amantes pela distância da viagem intensifica os últimos instantes junto à pessoa amada.

Casais apaixonados tentando fazer durar o momento de completude perante o outro, se desfazem e agonizam de saudade. Talvez o amor vá embora e retorne da viagem ou nunca mais volte. Acontece que, quanto mais próximo da hora da separação, mais juntos ficam os corpos e a vontade é permanecer. A civilização impõe a ordem do tempo e amor na rodoviária obedece ao relógio: “no mundo existe hora para tudo”.

Em meio à multidão, há ainda o casal que não se separa e segue junto, mas nem tão juntos estão — talvez pelo tipo de relação, talvez não. Mas, é a separação que mostra como amor constrói a civilização e de onde nasce a angústia: ele é a vontade de não ser sozinho, de estar com os outros.




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Essa postagem relata uma das saídas fotográficas realizadas em função de meu Trabalho de Conclusão de Curso, compondo um diário de bordo da busca pelo conhecimento do amor da poesia "A angústia de João", de Menotti Del Picchia, por meio da fotografia.
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No cemitério


Estar pela primeira vez em um cemitério no dia de finados, em busca do amor, parece improvável. Esse seria o lugar de triunfo da morte. Mas quando a necrópole se faz imagem nos olhos, túmulos explodem em cores. Flores homenageiam os que já se foram.

Andando pelos caminhos irregulares dos túmulos, a dimensão avassaladora da morte se fez tão dura quanto uma bofetada. Quando seremos, se já não somos, minoria em relação aos mortos? É como se as flores acendessem holofotes coloridos ou fossem braços erguidos em meio a multidão, esperando ser contabilizada. De uma massa cinza, o cemitério se torna pontos coloridos e difusos.

Cultivadas ou criadas, de tecido natural ou artificial, elas representam uma duração do sentimento, uma continuidade na memória. Sintetizam um desejo da humanidade: a eternidade. Não satisfeitos com as flores naturais, sujeitas tanto a morte quanto qualquer ser humano, inventamos as de plástico, dando corpo a uma imagem de flor, que por sua vez representará a relação do sujeito com a morte.

Antes de pensar o amor estando na necrópole, imaginei a fotografia que seria ideal: uma velhinha, solitária, chorando a morte de seu marido. Eu detesto quando penso esse tipo de coisa. Tentei me livrar desse estereótipo. Aos poucos fui me desprendendo dele e percebendo a natureza das flores no território da sem vida. Elas são o contraponto do cinza: o amor contra a morte.


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Essa postagem relata uma das saídas fotográficas realizadas em função de meu Trabalho de Conclusão de Curso, compondo um diário de bordo da busca pelo conhecimento do amor da poesia "A angústia de João", de Menotti Del Picchia, por meio da fotografia.
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Na praça

Cedo ou tarde,nos questionaremos sobre a nossa própria existência e a existência do amor. Cada qual no seu caminho procurará por respostas, renovadas por mais perguntas. A existência parece inesgotável. Buscamos conhecer o mundo, memorizamos conceitos, o que nos permite aprender a caminhar, a falar, a pensar. E, por que não, a amar? A escrita nos permitiu escrever histórias e a fotografia nos possibilitou buscar imagens para tais histórias.

Em meio à memória do conhecimento, retida em páginas de papel das estantes da biblioteca municipal e às pinturas nos murros e paredes ao redor da praça, a infância se espalha. Eis um 12 de outubro de 2010 (dia das crianças) representado pelo contraste entre o momento de diversão e o protesto da pintura: enquanto o desenho mostra o parque vazio e crianças a trabalhar, os brinquedos feitos de matéria (não somente de pigmento depositado em matéria) estão quase todos ocupados.

Ao caminhar pela praça, penso em famílias, na continuidade de uma civilização controvertida, em uniões supostamente baseadas no sentimento de amor. O muro não nega que o dilema do mundo civilizado já habitou outras cabeças.

— FREUD!

Sigmund Feud salta de minha memória e tudo parece estranhamente claro. Estamos entre o bem e o mal, entre o amor e a morte. Discurso e vivência travam batalhas, como a parede e o playground. Em um mesmo lugar a civilização revela seu presente e sua possibilidade de continuar existindo como uma das maiores contradições. Resta-nos o mal-estar da incerteza.

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Essa postagem relata uma das saídas fotográficas realizadas em função de meu Trabalho de Conclusão de Curso, compondo um diário de bordo da busca pelo conhecimento do amor da poesia "A angústia de João", de Menotti Del Picchia, por meio da fotografia.